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quinta-feira, 3 de abril de 2014

A Sangria do Ensino Brasileiro

   A cada dia do tratamento, o paciente está pior. O médico aplicou toda sua habilidade, mas a sangria não parece funcionar. É hora de conversar com a família.
   - Eu estava certo - ele explica - os humores estavam mesmo desbalanceados, como eu imaginava.
   - Mas ele não estava bem antes do tratamento? - os familiares questionam. Quando o médico chegou, em uma visita de rotina, todos estava saudáveis, mas ele explicou que o patriarca precisava começar imediatamente uma sangria.
   - Longe disto, se eu não tivesse começado com a sangria, agora ele estaria ainda pior.
   Seguem-se os dias, e o paciente, cada vez mais fraco, termina por falecer.
   O médico se despede dos tristes parentes, sem aparentar preocupação. O paciente morreu, é verdade, mas para ele, o resultado é um indicador de que a política de sangrias está no caminho certo. "Deveria ter vindo antes, aplicado mais cedo o tratamento. Talvez se eu tivesse perfurado uma arteria...".

   Enquanto escrevo esta estória, a Zero Hora de 2 de abril está na minha frente, aberta na reportagem que mostra o Brasil entre os últimos países na avaliação da capacidade de resolver problemas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Ontem, enquanto lia esta pesquisa na Internet, eu me perguntava como o Brasil responderia a isto. Afinal, há anos aplicávamos no país o construtivismo, uma abordagem em que, em vez de 'decoreba', ensinávamos a pensar, tomando por base estudos realizados na década de 70 (antes dos avanços científicos no entendimento do cérebro humano, antes da Internet comercial, antes das crianças aprenderem a usar tablets enquanto ainda engatinham) e ainda hoje usados como referência na academia brasileira.
   Vejam, eu poderia pelo menos entender a defesa que nossos alunos se saiam pior que China, Coréia do Sul e Japão em testes de conhecimento, por não estarmos ensinando eles 'decorebas', mas como o construtivismo poderia justificar seu fracasso em um exame de capacidade de resolver problemas? Haveria, aqui, finalmente, alguma esperança de começarmos a questionar se estamos no caminho certo em nossa política educacional?
   Hoje, leio na Zero Hora as explicações para nosso fracasso: o foco brasileiro estaria em apresentar conteúdos e não em trocar conhecimentos, precisamos investir em habilidades não cognitivas, como motivação e perseverança, e motivar o aluno a buscar soluções pelo seu próprio esforço.
   Só um pouquinho... Este é o discurso que eu ouço desde meu ensino fundamental! É a velha (velha de 50 anos diga-se de passagem) ladainha do construtivismo. Querem me dizer que é esta abordagem de investir em habilidades não cognitivas que fez os países asiáticos se saírem tão bem? Alguém estudou a forma como Japão e China ensinam seus alunos, antes de dizer estas abobrinhas? Tentem ensinar 2000 ideogramas com construtivismo para ver no que vai dar...
  Se apenas a reportagem tivesse saído ontem, eu podia me enganar dizendo que era só um 1º de abril.

  Rodrigo de Losina Silva
  Diretor Presidente - Alfamídia


PS: Para quem teve o azar de ter sua formação com base no construtivismo, e teve dificuldade em entender o porquê do conto, um adendo adicional se faz necessário:
   Sangria era um método medicinal de tirar sangue do paciente para tratá-lo, baseado na teoria de humores de Hipócrates. Apesar de nenhum estudo estatístico mostrar sua eficácia, ele foi usado até o século XVIII, e ainda era indicado em textos de medicina do século XX. O construtivismo é baseado em teorias desenvolvidas no século passado, por Emilia Ferreiro e outros. Apesar de nenhum estudo estatístico mostrar sua eficácia, ele é usado ainda hoje no Brasil e defendido como o modelo pedagógico mais recomendado.
   O paciente não estava tão mal antes de ser aplicada a sangria. O ensino brasileiro não estava tão mal - pelo menos em comparação com a realidade atual - antes da introdução do construtivismo nas escolas.
   Ao ser questionado pelos familiares, o médico os tranquiliza. Ao ser confrontado pelos pais quanto ao atraso de seus filhos, a recomendação do construtivismo é tranquilizá-los.
   Ao ser confrontado com o fracasso da sangria - o paciente morreu - o médico conclui que não começou cedo o suficiente o tratamento, e que talvez ele não tenha sido bem aplicado (ao invés de perfurar uma artéria, ele provavelmente optou por uma flebotomia). Ao ser confrontado com o fracasso do construtivismo - o Brasil teve um desempenho muito pior que países asiáticos - a reportagem aponta que não aplicamos o construtivismo tanto quanto deveríamos. Adicionalmente, dada a visível deficiência na alfabetização dos jovens adultos de hoje, a academia tem, sistematicamente, concluído que o construtivismo não vem sendo aplicado corretamente.
   Apesar das evidências, o médico nunca questiona a aplicação da sangria. Apesar das evidências, a pedagogia brasileira nunca questiona a aplicação do construtivismo.
   O conto não está realmente falando sobre sangrias.

PPS: A comparação não é totalmente justa. Existem certos casos em que a sangria é um tratamento efetivo.


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